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Caça às bruxas, caça aos tubarões


              Por: Efraim Rodrigues
                                                                               

Há uns quatrocentos anos, a “Santa” Inquisição mantinha tribunais responsáveis por caçar e queimar bruxas e bruxos. Os métodos pareciam pouco lógicos, como sonhos de crianças, acusações de vizinhos, faltar na missa, antipatia do padre, e daí por diante.

Caça às bruxas virou até uma expressão que significa acabar com tudo sem pensar em nada.

O mundo mudou, se tecnificou, e agora temos acesso às maravilhas modernas, como Pokemon, Eguinha Pocotó e Telenovela. Olhamos para o passado com desprezo.

Que primitivos idiotas eram nossos antepassados!

No Rio de Janeiro, há coisa de uma semana, uma destas pessoas modernas, esportista de ação, provavelmente com uma conexão Internet em casa, e uma TV com 257 canais, viu um tubarão enquanto fazia para-pente.

Ele viu o quê? Um Dinossauro, uma Baleia roxa, um Urso Polar nadando no Rio de Janeiro?

Não, ele viu um Tubarão. Espécie que habita o litoral do Rio de Janeiro há milhões de anos. Quem sabe, se esta pessoa usasse os recursos de informação que tem a mão, pudesse ter aproveitado a visão de um Tubarão como o que realmente é. Um privilégio para os que podem sobrevoar o mar fazendo para-pente.

Imediatamente, o Corpo de Bombeiros foi avisado.

No mesmo dia, um banhista pegando jacaré faz um corte no dedo.

Certamente é Tubarão, confirmou o tribunal da Santa Inquisição, traçando uma relação inesperada entre dois animais tão diferentes.

Se o mundo tivesse dado pelo menos um passo que fosse, depois da Santa Inquisição, ocorreria a alguém conversar com um especialista na área, para saber que um machucado como aquele não pode ter sido causado por um tubarão, e que o último problema com Tubarões que houve no Rio foi em 1947. Mais um acidente do que um ataque, de fato.

No dia seguinte, um tubarão da espécie Mako é pego em uma rede, e o Tribunal faz nova conclusão; este é o tubarão que machucou o pegador de jacaré.

Afinal de contas, só pode existir um tubarão em todo litoral do Rio de Janeiro.

Está criado o eixo do mal do Tubarões, adubado desde tenra idade pelo super astro psicopata do filme de Spielberg. O tubarão não é um bicho que mata para comer, e que como qualquer bicho, foge do perigo, que somos nós humanos. Não. O Tubarão de Spielberg é ruim, quer matar o mocinho, ficar com a mocinha, formatar seu disco rígido e mandar e-mails pornográficos para sua chefe.

Mas, ainda tem mais. No terceiro dia, um Tubarão moribundo é arrastado para fora da água (se estivesse vivo seria necessário um trator para fazer isto), e é morto a pauladas. Um banhista é ferido enquanto batia no Tubarão. Prova incontestável da maldade intrínseca destes animais malévolos.

Voltando a Santa Inquisição, os seus métodos pareciam ilógicos, mas não eram. Usar todo e qualquer tipo de argumento para queimar pessoas, pode fazer sentido se os bens de pessoas ficarem para a Igreja, como era o caso.

Os Juízes da Santa Inquisição se mudaram da Igreja para as redações dos telejornais. A eles cabe a decisão de vida e morte sobre tudo e todos, de Tubarões a Sardinhas. Seus métodos podem parecer ilógicos a primeira vista, mas na verdade têm aumentado bastante as vendas de sabão nos intervalos comerciais.

PS. Agradeço a contribuição do Biólogo Marinho Marcelo Szpilman, autor do livro Seres Marinhos Perigosos e diretor do Instituto Ecológico Aqualung, no Rio de Janeiro