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Brasil: muita água, péssima distribuição 


Por Maura Campanili

O Brasil detém uma das maiores bacias hídricas da Terra, com cerca de 15% da água doce superficial. Tem ainda em parte de seu território a maior reserva de água doce subterrânea, o Aqüífero Guarani, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Mas o contraste na distribuição é enorme. A Região Norte, com 7% da população, dispõe de 68% da água do País, enquanto o Nordeste, com 29% da população, tem 3%, e o Sudeste, onde vivem 43% dos brasileiros, conta com 6%.

Problemas como desmatamento das nascentes e poluição agravam a situação. Em conseqüência, 45% da população não tem acesso a água tratada e 96 milhões de pessoas vivem sem esgoto.

Embora o problema mais visível esteja no semi-árido, com cinco Estados enquadrados nos índices de escassez do Banco Mundial, os maiores conflitos ocorrem na área de mata atlântica, onde vivem 110 milhões de brasileiros.

"Quem acha que a água é um problema do futuro deve ver o estado calamitoso dos rios em São Paulo, Rio ou Minas", afirma Messias Franco, secretário-geral do WWF-Brasil.

Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), o País enfrenta problemas nas regiões costeiras do Sudeste e do Sul, nas bacias dos Rios São Francisco e Uruguai, ambos na mata atlântica, além de parte das bacias dos Rios Tocantins (Amazônia) e Paraguai (Pantanal). Os motivos são desmatamento, falta de saneamento, expansão das cidades e má gestão.

Maior trunfo do País em relação ao abastecimento, o Guarani passa por oito Estados, e por Argentina, Paraguai e Uruguai, o que exige um acordo entre esses países para o seu uso. "Dos cerca de 166 km3 de potencial de água renovável que circulam no aqüífero, entre 40 e 80 km3 podem ser explorados.

Mas há risco de contaminação, pelo grande número de poços construídos e operados sem tecnologia adequada ou abandonados", diz Haroldo Mattos de Lemos, presidente do Instituto Brasil Pnuma.

Outro trunfo, o fato de o Brasil contar com legislação avançada no setor, deu poucos resultados práticos até agora. A maior parte dos comitês e consórcios de bacia, que deveriam administrar o uso da água, não conseguiu efetivar a cobrança pela sua utilização. O mais adiantado nesse processo é o Comitê do Rio Paraíba do Sul, do qual fazem parte São Paulo, Rio e Minas.

Mas divergências entre usuários, principalmente agrícolas e industriais, emperram a concretização.

E o investimento? - O biólogo Samuel Barreto, do WWF-Brasil, critica a falta de investimento em saneamento. "A cobertura da coleta de esgoto é de 49%, sendo de 71% no Sudeste, 33% no Centro-Oeste, 18% no Sul, 13% no Nordeste e 2% no Norte. Temos problemas de falta d'água até na Amazônia, como em Rio Branco, onde os mananciais estão comprometidos por esgoto, lixo, mineração e expansão urbana."

O biólogo salienta que 70% das internações no Brasil são provocadas por doenças transmitidas por água contaminada, ao custo de US$ 2 bilhões por ano. "Segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada dólar investido em saneamento ambiental, economiza-se de US$ 4 a US$ 5 em saúde. Não investir em saneamento é mau uso do dinheiro público."

A escassez é mais severa em cinco Estados do País. Eles são Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Norte

Nenhuma região brasileira sente tanto os efeitos de falta d'água quanto o Nordeste. Atualmente, a disponibilidade hídrica per capita na região é insuficiente nos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. A situação é ainda mais insustentável para os 8 milhões de habitantes do semi-árido.

"Fatores como o aumento da temperatura global, que deverá elevar a evaporação da água e, ao mesmo tempo, a demanda para consumo humano e para irrigação, deverão afetar ainda mais a disponibilidade hídrica na região.

Isso tudo sem contar as alterações provocadas pela ocupação humana, como assoreamento, desmatamento e perda de qualidade da água", diz Joaquim Gondim, da ANA.

Estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) revelam que as chances dos agricultores colherem boas safras são de três anos em dez na região. Em quatro anos, a produção cai num percentual muito elevado e, em três, as perdas são quase totais. Nesse anos de secas mais intensas, o Produto Interno Bruto (PIB) agrícola da região sofre uma redução de 60%. Segundo Gondim, isso mostra a importância de mais estudos e ações para se antecipar ao que está por vir.

Evaporação - Segundo Haroldo Mattos, do Brasil Pnuma, a insolação e os ventos na região provocam um índice de evaporação de cerca de 30% da vazão dos açudes. "Em alguns casos, quando os açudes são muito rasos e com grande área superficial, há mais perdas do que benefícios", diz. Por conta disso, sistemas menores de armazenamento, como as cisternas, são mais adequados. Mattos cita ainda a instalação de dessalinizadores em poços de água salobra como uma alternativa que já vem sendo testada.

Outro problema a ser enfrentado é o desperdício de água na irrigação. Embora tenha um índice inferior ao mundial, 59% da água utilizada no Brasil é destinada a esse fim. Programas como o que vem sendo desenvolvido no Ceará, de substituição de culturas de arroz por fruticultura, têm permitido liberar água para o consumo da população. (M.C.)