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A biodiversidade sem base



Por José Maria Cardoso da Silva e Claudio José Barros de Carvalho em 26/03/2003
Fonte: Agência Estado

Ainda não há política forte nem programa nacional especificamente direcionado para expandir o conhecimento da nossa biodiversidade.

O Brasil é o país mais rico em biodiversidade no mundo. Estima-se que abrigue cerca de 13,6% de todas as espécies de organismos do planeta, uma extraordinária vantagem competitiva no século, em que os serviços ambientais e a biotecnologia se converterão em meios de gerar enormes riquezas.

O livro ´Biodiversidade Brasileira: Síntese do estado atual do conhecimento´ recentemente publicado por Thomas Michael Lewinsohn (Unicamp) e Paulo Inácio de Knegt López de Prado (PUC/SP) mostra, que o número de espécies que deve ocorrer no Brasil (cerca de 2 milhões) é cerca de 10 vezes maior do que o número hoje conhecido (cerca de 200 mil).

A falta de recursos humanos qualificados, de uma infra-estrutura adequada e, principalmente, a falta de apoio financeiro regular e na magnitude necessária para enfrentar o desafio de conhecer esta biodiversidade, são os principais problemas que limitam a pesquisa básica deste setor.

Não há uma política forte e nem um programa nacional especificamente direcionado para expandir rapidamente o conhecimento da nossa biodiversidade, a exemplo do programa Biota-SP da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Falta um sistema geral de referência, que produza informação taxonômica, incluindo a descrição de novas espécies, a redescrição das mal conhecidas e a elaboração de chaves de identificação e classificação, tendo como objetivo mostrar as relações de parentesco entre as espécies. A disciplina encarregada de produzir tal sistema de referência é a taxonomia biológica ou sistemática biológica, fundamental para toda a Biologia, servindo de base para outras disciplinas, tais como a Genética, Ecologia, ou qualquer outra disciplina da área.

A taxonomia corrente é resultado dos trabalhos acumulados em cerca de 250 anos, desde que o sistema binominal foi proposto por Linnaeus. Como escreveu o famoso ecólogo Sir Robert May: ´sem a taxonomia e a sistemática para organizar a casa das ciências biológicas, nada faz sentido´.

Apesar de todas as dificuldades existentes, o Brasil possui uma forte tradição em pesquisa e ensino de taxonomia biológica. Instituições como o Museu Nacional do Rio de Janeiro, a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Paraná, o Museu Paraense Emílio Goeldi e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, entre outros, são bem conhecidas internacionalmente pela qualidade e quantidade dos seus trabalhos sobre a biodiversidade brasileira.

O Brasil possui cerca de 40 programas de pós-graduação em Zoologia e Botânica, metade dos programas da Ciências Biológicas, distribuídos pelas várias regiões do país, formando a base sobre a qual se estrutura as pesquisas e a formação de novas gerações de taxonomistas brasileiros.

Sugerimos que três ações imediatas poderiam ser implementadas para garantir a expansão, consolidação e avaliação adequada dos programas de pós-graduação em Zoologia e Botânica.

A primeira é separação dos programas de pós-graduação em Zoologia e Botânica, dentro da área de Ciências Biológicas, aperfeiçoando o sistema de avaliação da produção científica, de modo a valorizar artigos que descrevam, avaliem e analisem a nossa decantada e tão mal conhecida biodiversidade.

A segunda é ter um programa específico de fortalecimento e expansão das revistas científicas nacionais, incluindo as editadas por sociedades científicas e instituições de pesquisa, dedicadas à publicação dos resultados de pesquisa sobre biodiversidade.

A terceira é criar um programa, que vise aumentar significativamente o número de bolsas de estudos para pós-graduação em Zoologia e Botânica, a fim de expandir rapidamente o número de mestres e doutores nestas áreas. Não se pode esquecer, que deveria também haver um apoio maior das instituições de fomento à pesquisa.

Com estas medidas simples, baratas e efetivas, certamente estaríamos construindo uma base sobre a qual o nosso conhecimento sobre a biodiversidade brasileira poderia crescer a uma velocidade muito maior do que a registrada atualmente e assim contribuir decisivamente para um setor extremamente estratégico para o desenvolvimento integral do Brasil. Outros países, com uma biodiversidade menor que a nossa, como os EUA, estão tendo de voltar atrás na procura de pessoal qualificado para estudos básicos de biodiversidade, por não terem tido, no passado, uma política mais atuante de formação desses profissionais.

José Maria Cardoso da Silva (j.silva@conservation.org.br), biólogo, é Diretor para a Amazônia da organização ambientalista Conservation International do Brasil (CI).

Claudio José Barros de Carvalho (cjbcarva@bio.ufpr.br), biólogo, é Professor Titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR).